Alguma circulação bibliográfica (1855-1899)


Visto o período imediatamente anterior a Maia Ferreira (e Arsénio de Carpo), revisto resumidamente o ambiente familiar e comercial do Recife ligado a Angola e repensadas a biografia, a lírica e as intertextualizações de Maia Ferreira, tentei saber de bibliotecas da segunda metade do século XIX no país.

Sirva de exemplo introdutório um anúncio de leilão realizado em Luanda a 3 de Maio de 1865. Aí se notifica o público em geral que, “por ordem do sr. Eugénio Augusto de Andrade”, se leiloavam “diversas obras literárias” num total de “101 volumes”. Ainda sabendo que “literárias” pode não ter o significado estrito que tem hoje, são muitas, para o que pensávamos da época e do lugar e a maioria delas provavelmente se abriga sob o conceito estrito da arte[1]. Infelizmente nada mais soube sobre o “sr. Eugénio”, ou sua biblioteca, ou livraria, ou loja, pelos vistos rica em literatura. Mas soube de outras.

Numa elite nascente, já não só de negociantes e filhos, se destacam para a segunda metade do século XIX os nomes de Alfredo Troni, Urbano de Castro e Joaquim Eugénio de Sales Ferreira como seguramente leitores informados que possuíam bibliotecas atualizadas e ricas. Uma vez que uma parte das suas bibliotecas integraram o acervo da Municipal, mais tarde Provincial, de Luanda, nós podemos conhecer vários dos títulos que leram. No caso de Alfredo Troni e de Joaquim Eugénio de Sales Ferreira, por ter sido ainda possível consultar obras com o seu autógrafo, geralmente incluindo local e data, as informações se tornam mais seguras e mais detalhadas. 

Esses bibliófilos eram, os três, reinóis. Outras bibliotecas havia, sabemo-lo porque foram mencionadas, ou porque os textos dos autores revelam leituras consolidadas. Por exemplo a de Cordeiro da Mata, a do cónego A. J. Nascimento e, muito provavelmente, a de J. Fontes Pereira, colega (de trabalho) e amigo de Maia Ferreira. Mas dessas bibliotecas de filhos da terra não temos sinais documentados que nos permitam perceber os títulos que as constituíam. Deduz-se alguma coisa a partir das suas colaborações, sobretudo jornalísticas, mas isso nada seguro nos indica sobre as suas bibliotecas (o facto de mencionarem um livro e um autor não implica possuírem o título; o facto de não mencionarem não significa, por outro lado, que não possuíssem título desse autor ou que não o tivessem lido). Para o caso de Cordeiro da Mata foi possível reconstruir um leque de leituras literárias, a partir dos poemas publicados. Um dia se completará com o de outras leituras consolidadas, a partir de um levantamento sistemático das fontes dos textos jornalísticos dos autores. De leituras de Cordeiro da Matta vou dar conta mais à frente. Antes irei de lupa em riste à procura dos três bibliófilos de que falei, depois dos poetas e, finalmente, das relações que demonstram a sua contemporaneidade.


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  1. Três bibliotecas importantes no último quartel do século XIX
  2. Três poetas no rio Quanza
  3. Pedro Félix Machado
  4. Leque angolense de leituras literárias
  5. Contemporaneidade dos poetas angolanos: poéticas  em circulação
  6. Dois ultrarromânticos portugueses em Angola
  7. Além de Angola: romantismos lusógrafos 
  8. Romantismo francês
  9. Romantismo inglês e... noveloso







[1] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 18 (29-04-1865) 82.

Comentários

  1. Agradeço estes artigos e a Kicola, me estão ajudar bastante

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